Conversando, a gente se entende. Também em práticas sustentáveis.

Entendo o que especialistas falam sobre qual a estratégia mais eficaz para que as empresas adotem práticas sustentáveis

Conversando, a gente se entende | Imagem: GettyImages
0

Uma constante na agenda da sustentabilidade são os congressos e eventos nacionais e internacionais. Esta é uma agenda ainda em construção, por isso requer muita troca de ideias, experiências, boas práticas, dilemas e soluções.

Um dos eventos mais marcantes de que participei foi o tradicional “United Nations Forum on Business and Human Rights”, na sede da ONU em Genebra, em 2016. Marcante, primeiro, porque era um convite inédito. Nunca antes eu havia falado de sustentabilidade em um evento de Direitos Humanos. O tema do painel era “Supply Chain: obtendo uma melhor compreensão do ecossistema do investidor e como interagir com investidores em direitos humanos”. Meus colegas de mesa eram representantes do Standard Chartered Bank, APG Asset Management e os colegas de jornada Steve Waygood, da Aviva Investors, e Anthoy Miller, da SSE – Sustainable Stock Exchanges / UNCTAD.

Já faz quatro anos dessa interação, mas lembro como se fosse hoje a resposta de um investidor do painel a uma pergunta da plateia. A pessoa queria saber qual a melhor forma de interagir com empresas que ainda estão aquém das práticas esperadas em Direitos Humanos. A resposta foi inequívoca: “O desinvestimento (retirar recursos como forma de “punição”) é a última alternativa que adotamos. Antes disso, conversamos com a companhia e procuramos traçar juntos um caminho de transição para o que é esperado dela para continuar a receber nossos recursos financeiros”. Simples e profundo assim.

Me senti em casa ouvindo essa resposta. Sempre foi essa minha conduta em todos os lugares em que trabalhei e trabalho com o tema. Sustentabilidade é, na essência, mudança de valores, de padrões, de práticas e lógicas. Isso não se faz do dia para a noite e, muito menos, sem claro entendimento de por que se deve agir de determinada forma. Se não, vira “check list” que qualquer vento derruba.

Foi por isso que li com absoluta satisfação o estudo “Exit X Voice”, de um trio de economistas, um deles Prêmio Nobel, sobre qual a estratégia mais eficaz para que as empresas adotem práticas sustentáveis. Este estudo foi matéria de capa do Caderno Eu & Fim de Semana, do Valor de 2/10/2020. Os economistas são Oliver Hart, Universidade de Harvard, Prêmio Nobel de Economia/2016, Luigi Zingales, Universidade de Chicago, e Eleonora Broccardo, Universidade de Trento.

O estudo é profundo, traz mais alfas e betas do que a minha formação em Humanas consegue apreender. O que, aliás, certamente o torna ainda mais valioso para além do mundo dos especialistas em sustentabilidade. Basicamente, o estudo divide em duas as estratégias junto às empresas:

  • Exit: estratégias de saída: boicote ou desinvestimento. Geralmente, praticadas por consumidores, investidores, acionistas, trabalhadores.
  • Voz (Voice): iniciativas de engajamento para promover boas práticas. Mais praticadas por acionistas e investidores.

As análises feitas pelos autores apontam que engajar é mais eficaz do que boicotar, na maioria das situações. E que nem sempre estratégias de saída geram os efeitos sociais esperados. Eles ilustram essas conclusões com alguns bons exemplos:

1.“O desinvestimento em uma companhia que não está totalmente alinhada ao que se espera dela em sustentabilidade pode provocar redução do preço de suas ações. Investidores, então, aproveitam essa oportunidade para comprar essas ações subvalorizadas.” Ou seja, o que deveria ser uma punição (retirar recurso), se torna um atrativo e a empresa ganha com isso.

2.“Consumidores declaram que comprarão apenas produtos “limpos”. Mas o que garante que não vão descumprir essa promessa e adquirir produtos “sujos”, principalmente quando estiverem mais baratos?”

Vale destacar, no entanto, que os autores mostram que a estratégia de “Exit” pode ser mais eficaz do que “Voice” em situações específicas, como a ação global contra o uso de peles de animais em roupas. Recomendo muito a leitura do trabalho. É desta forma que vamos pavimentando o caminho de evolução nesta estrada do desenvolvimento sustentável.

Em minhas palestras, eu sempre abordei essa questão. Ao apresentar os “Movimentos de Investidores” em sustentabilidade, explico a questão do desinvestimento, trago vários exemplos e na sequência mostro essa figura:

Meu racional aqui é que vivemos um mundo de dilemas quando falamos dessa transição EESG (Econômico, Ambiental, Social e de Governança Corporativa). Sim, uma empresa muito emissora de gases de efeito estufa, que tem seu negócio baseado em recursos fósseis, que possui produtos que podem trazer danos à saúde e segurança, tudo isso tem que ser questionado e precisamos saber qual o plano de transformação e evolução do business.

Mas não podemos esquecer que essa empresa é legal, tem funcionários e toda uma cadeia de valor ao seu redor. Ao se tomar a decisão de retirar recursos financeiros em função, por exemplo, de uma questão crítica ambiental, pode-se acabar gerando do outro lado uma crise social, uma vez que essa ela emprega pessoas e fornecedores dela dependem.

Voltamos, então, ao bom e velho ditado: “Conversando, a gente se entende”. Estou sendo pueril, sonhadora, uma quixote da sustentabilidade? Talvez. Mas, para mim, a certeza da eficácia desse caminho é inabalável. Comprovei em décadas de atuação que ninguém quer deliberadamente atuar de forma errada. Mas os sistemas e os processos empresariais precisam de uma transição programada. E isso leva algum tempo. Sim, eu sei que não temos muito tempo. 2030 e a Agenda dos ODS (Objetivos de Desenvolvimento Sustentável) estão batendo na nossa porta. Mas uma frase de que gosto muito cai bem aqui: “Vamos devagar, pois eu tenho pressa”. Dizem que é de Napoleão. A conferir, sr. Google.

Há também, paralelamente, que se mudar mentes e corações. Porque transformações não se dão apenas em planilhas, questionários, ratings e rankings. Se dão também, e principalmente, a partir de visão, comprometimento e crença das lideranças e de cada um de nós. E também com uma dose de sonho. Não é Sancho Pança?

FONTE: Valor Investe | Por Sonia Favaretto – SDG Pioneer pelo Pacto Global da ONU e especialista em Sustentabilidade

Deixe uma resposta

Seu endereço de email não será publicado.

Show Buttons
Hide Buttons