Uma audiência pública na Comissão de Agricultura do Senado na última quarta-feira, 21, contou com com representantes de órgãos ligados à exportação da produção agrícola. Segundo os participantes da reunião, cada vez mais o Brasil tem sido associado a desmatamentos, abuso de agrotóxicos e descaso com a pauta ambientalista pela mídia e movimentos sociais internacionais, e é preciso que o Estado brasileiro reaja a esta situação.
Situação degenerada
Para o secretário de política externa comercial do Itamaraty, o diplomata Norberto Moretti, o Brasil está “perdendo a guerra da informação” para movimentos articulados internacionalmente, que tem o interesse comercial de prejudicar nosso agronegócio. Ele avalia que a situação está “degenerada” e por isso o Brasil precisa realizar um esforço unificado para recuperar o prejuízo e reverter percepções “distorcidas” que vêm se cristalizando.
“A imagem de nosso país no exterior tornou-se uma preocupação de todos, no governo e no setor privado. Virou um tema de crucial relevância. Uma percepção equivocada sobre nosso agronegócio vem se sobrepujando, resultado em parte de ignorância, em parte de má-fé e interesses inconfessáveis. Várias forças se conjugaram visando consolidar uma imagem equivocada sobre a sustentabilidade ambiental e a segurança social de nosso agro”, disse.
Boicotes
Sem citar um país especificamente ou grupos comerciais, Moretti informou que recentemente o Parlamento de um país europeu chegou a interpelar o CEO de uma empresa por produzir no Brasil. Também citou o boicote liderado pela rede de supermercados sueca Paradiset, a maior da Escandinávia, contra produtos brasileiros.
A Paradiset já retirou das suas prateleiras todas as marcas de café, águas-de-coco, chocolates, limões e mangas produzidas aqui, alegando que o Brasil virou “o paraíso dos agrotóxicos”. A audiência foi presidida pela senadora Soraya Thronicke (PSL-MS), que também disse estar “muito preocupada” com o que está ocorrendo.
Sem citar o nome do grupo econômico, informou que uma rede de supermercados da Nova Zelândia também começou a boicotar os produtos importados do Brasil.
Buscando responder a este quadro, Moretti acrescentou que o Itamaraty juntou-se ao Ministério da Agricultura e a outros órgãos governamentais visando reverter a “guerra de narrativas”.
“Monitoraremos o que vem sendo feito e disseminaremos as informações certas. O Estado brasileiro precisa de uma narrativa integrada, baseada em dados científicos sólidos publicados por instituições respeitadas aqui e lá fora. Isso é uma guerra travada em diversas batalhas, e nós precisamos vencer. No momento estamos perdendo. Uma notícia equivocada num jornal pode sim gerar prejuízos. Parte de nossa estratégia será usar as redes sociais para disseminar as informações corretas e recompormos nossa imagem”, revelou.
União Europeia
Thronicke também considera “injusta” a má imagem do Brasil no exterior, pois entende que nosso país não negligencia a pauta ambiental. Ela chegou a sugerir ao presidente da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), Celso Moretti, também presente à audiência, que exporte a tecnologia brasileira de reflorestamento para a União Europeia.
“O Brasil é agro, mas também é verde. Que a Embrapa ajude a União Europeia, já que eles desmataram todas as suas florestas e emitem tanto CO². Estou muito preocupada, precisamos ajudá-los. A Embrapa precisa levar a eles a tecnologia de reflorestamento que implantou aqui. Eu conheço produtores de grãos brasileiros interessados em exportar as sementes. Convido as mais de 100 ONGs milionárias do Fundo Amazônia a também aderirem a esta causa, vamos criar um fundo mundial de reflorestamentos”, pediu.
Acordo Mercosul-UE
O acordo do Mercosul com a União Europeia também foi tema de preocupação na audiência. O senador Luiz Carlos Heinze (PP-RS) confessou que o acordo recentemente firmado entre Mercosul e União Europeia (UE) lhe traz temores.
Para ele, o próprio Mercosul, “um acordo mal concebido”, mostrou-se danoso aos estados do sul do Brasil, pois avalia que Argentina e Uruguai oferecem uma concorrência “quase desleal” na agricultura.
Já sobre o acordo Mercosul-UE, chama atenção a brutal diferença de subsídios, quando comparamos a produção nacional com o resto do mundo.
“O subsídio brasileiro para a agricultura é algo em torno de U$ 1,2 bilhão. Já dados de 2018 mostram que o governo dos EUA subsidiou sua produção em mais de U$ 90 bilhões no ano passado. No mesmo período, a União Europeia subsidiou seus produtores em U$ 126 bilhões, e a China, em U$ 230 bilhões. E com um agravante, nossa carga tributária sobre os alimentos é a maior do mundo. Tudo isso distorce a competitividade, por isso o acordo Mercosul-UE tem que ser discutido com muita profundidade pro nós” defendeu.
Já Flávio Campestri, do Ministério da Agricultura, defendeu o acordo Mercosul-UE. Reconheceu que diversos setores produtivos brasileiros serão desafiados caso o acordo se consolide.
Por isso são previstos períodos de transição para algumas culturas, que não serão totalmente desgravadas num primeiro momento, levando até 15 anos para que a importação livre seja possível.
Ele garantiu que o governo está plenamente atento a estas pautas, mas está convicto que o acordo e outros que o Brasil ainda vai fechar, “abrirão grandes janelas de oportunidades” ao agronegócio, e que é preciso que o Brasil entenda que “para recebermos, também temos que dar alguma coisa”, finalizou.
Fonte: Exame