Um artigo científico de autores brasileiros, publicado nesta semana na revista “Land Use Policy”, mapeia a grilagem em florestas públicas não destinadas na Amazônia. Dos 49,8 milhões de hectares de florestas sob responsabilidade estadual e federal, mas ainda não alocados a nenhuma categoria de uso, 11,6 milhões de hectares foram declarados irregularmente como imóveis rurais, de uso particular, no Sistema Nacional de Cadastro Ambiental Rural (CAR), montando um mapa da grilagem. Essa área equivale a dois estados do Rio de Janeiro.
O impacto da grilagem se traduz facilmente em desmatamento. Nessas áreas, os pesquisadores identificaram 2,6 milhões de hectares derrubados até 2018. É uma área do tamanho de Sergipe. Tal destruição gerou a emissão de 1,2 bilhão de toneladas de CO2, o principal gás do efeito estufa. Oitenta por cento da área desmatada (2,1 milhões de hectares) apresenta registro no CAR. Isso demonstra a intenção de uso privado de uma área pública.
Se toda a área registrada até hoje como propriedade privada fosse legalizada, de 2,2 a 5,5 milhões de hectares poderiam ser derrubados nos próximos anos. A estimativa segue os limites de desmatamento definidos pelo Código Florestal, quando muitas vezes o desmatamento é maior que o permitido.
Nos últimos anos, a grilagem de florestas (o mapa da grilagem) não destinadas aumentou. Em 2019, foi a categoria fundiária em que mais se derrubou floresta na Amazônia, de acordo com dados do sistema de alertas de desmatamento do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), o Deter. A tendência se mantém em 2020.
Passo a passo do mapa da grilagem
Para fazer a análise, os pesquisadores primeiro limparam as sobreposições das florestas não designadas no Cadastro Nacional de Florestas, do Serviço Florestal Brasileiro, que conta com 62 milhões de hectares, com outras áreas na base fundiária da Amazônia. Com isso, chegou-se a 49,8 milhões de hectares de florestas públicas que ainda não foram destinadas para proteção ou uso sustentável de seus recursos naturais, como previsto na Lei de Gestão de Florestas Públicas, de 2006. É uma área próxima à do tamanho da Espanha. Desse quinhão, os estados da Amazônia possuem uma área maior (32,7 milhões de ha) do que o governo federal (17,1 milhões de ha).
A grilagem dessas áreas tem como objetivo frequente a especulação fundiária. “Na Amazônia, observamos a seguinte dinâmica: um grileiro entra na área pública e a registra como dele ou no nome de laranjas; depois desmata a área, coloca algumas cabeças de gado para se dizer pecuarista e tenta de todos os jeitos a regularização, ou espera um desavisado comprar a terra. Uma vez vendida, essa terra entra no sistema de produção agropecuária, e o novo dono e seus produtos carregam esse passivo, enquanto o grileiro passa para a próxima área”, explica o pesquisador Paulo Moutinho, do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), um dos autores principais do estudo.
Respeito a direitos
A pesquisadora Claudia Azevedo-Ramos, da Universidade Federal do Pará (UFPA), que liderou o estudo, destaca o papel dessas florestas. “É preciso destinar essas florestas para fins de proteção e uso sustentável. Preservar esses ecossistemas significa respeitar os direitos das populações tradicionais e de indígenas, que muitas vezes são expulsos pelos grileiros, além de manter a chuva e o clima estáveis, fundamentais para a produção agrícola na Amazônia.”
A despeito de a legislação brasileira definir categorias potenciais de destinação para as florestas públicas, e resguardar essas áreas como domínio público, os autores destacam que, desde 2019, todos os programas de designação dessas áreas do mapa da grilagem foram desmontadas pelos governos federal e estaduais. “Essas florestas pertencem aos brasileiros. Aos governos, cabe protegê-las e garantir que não sejam entregues à especulação e à usurpação de seus recursos naturais. Preservar as florestas públicas é garantir que a Amazônia mantenha suas funções climáticas e socioambientais, com benefícios para todo o planeta”, explica Azevedo-Ramos.
FONTE: Revista Planeta