Estudo pode melhorar o monitoramento de queimadas no Cerrado

Fogo no Cerrado.
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Um estudo conduzido por cientistas do Brasil, Estados Unidos e Portugal investigou a acurácia e a consistência de diferentes coleções de dados obtidos por satélites relativos à localização e à extensão das áreas queimadas no Cerrado. Os resultados, divulgados no International Journal of Applied Earth Observation and Geoinformation, devem contribuir para a melhoria dos produtos gerados no âmbito do Programa Queimadas do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), dedicado ao monitoramento de focos de queimadas e de incêndios florestais detectados por satélites, ao cálculo e à previsão do risco de fogo da vegetação.

A pesquisa está vinculada ao projeto Sistema brasileiro Fogo-Superfície-Atmosfera (BrFlas), apoiado pela FAPESP. Foi coordenada pela professora Renata Libonati, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), em colaboração com pesquisadores da Universidade de Maryland e da Universidade de Lisboa. E foi uma das decorrências do mestrado de Júlia Abrantes Rodrigues, sua primeira autora.

Diversos estudos anteriores mostraram que o fogo – usado de forma inteligente e criteriosa, com zoneamento da área total e cronograma de queima, em sistema de rodízio – é indispensável para a renovação do Cerrado. Muito diferente, porém, é o uso indiscriminado e muitas vezes criminoso do fogo, com vistas a eliminar as plantas nativas e preparar a terra para a agricultura e a pecuária extensivas.

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“Neste caso, com a área sendo queimada em intervalos de tempo muito curtos, quase sempre na estação seca, não há vegetação que sobreviva, não há adaptação natural possível”, disse o engenheiro ambiental Alberto Setzer, pesquisador do Inpe e coautor do artigo.

“Um aspecto muito importante a considerar é o das emissões atmosféricas das queimadas. Dependendo do ano, elas podem gerar de 28% a 75% do total de emissões de carbono do país, contribuindo de maneira substancial para as estimativas globais, uma vez que o Brasil ocupa a sétima posição no ranking dos países emissores. Um percentual de 28% já é algo bastante significativo. Um percentual de 75% é extremamente grave”, afirmou Setzer.

“Tempos atrás, quando se falava em queimadas, a preocupação era sempre a Amazônia. Porém, as queimadas no Cerrado tornaram-se extremamente preocupantes. Esse bioma, em especial a região conhecida como Matopiba, que envolve partes do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia, tornou-se palco de grandes projetos agropecuários. Por exemplo, o oeste da Bahia tem sofrido uma devastação brutal, com a remoção de quase toda a vegetação natural”, disse.

Setzer lembrou que essa transformação, muito drástica e rápida, está acontecendo praticamente à margem do conhecimento da comunidade científica. Daí a oportunidade do estudo agora publicado, que procurou responder à questão “quanto se queima no Cerrado?”.

Os dados fornecidos por satélites – embora estes sejam operados por organizações confiáveis como a agência espacial norte-americana (Nasa) e a Agência Espacial Europeia (ESA) – são números que refletem a escala global. Portanto, segundo Setzer, pouco precisos quando se trata de configurar um fenômeno regional.

“Foi nesse particular que tentamos evoluir para melhorar a qualidade dos produtos gerados pelo Inpe para fornecer as estimativas de áreas queimadas. O estudo aponta as limitações e os erros tanto dos produtos globais quanto dos gerados pelo Inpe. O objetivo é proporcionar a melhoria de nossos dados, de modo a informar, de forma mais precisa, onde, quando e quanto foi queimado, e também quais as emissões decorrentes”, disse.

O portal do Programa Queimadas fornece dados atualizados a respeito. Na resolução de um quilômetro, é possível obter o valor total e por bioma das áreas queimadas, ano a ano e mês a mês. E também o percentual correspondente a cada bioma no total de queimadas. Os mapas mostram ainda as cicatrizes das queimadas em cada bioma. Na resolução de 30 metros, obtidos por satélites da série Landsat, o portal fornece, para o Cerrado, mapas, imagens por quadrantes e outras informações bastante detalhadas.

“Em nosso estudo, calculamos os erros e as incertezas dos dados fornecidos por imagens de satélites – algo que não tínhamos antes para o Cerrado. Também verificamos que os dados são mais confiáveis no norte do que no sul do Cerrado. Isso porque as propriedades no sul do bioma são bem menores, o que faz com que o uso do fogo ocorra em áreas relativamente pequenas e não em grandes extensões. No norte, em regiões como a Ilha do Bananal, houve anos em que medimos queimadas quase contínuas em áreas da ordem de 10 mil quilômetros quadrados. Isso não acontece em trechos do norte do Estado de São Paulo ou do sul de Minas Gerais, onde o padrão de ocupação do solo é bem diferente. Este é um resultado importante, pois mostrou que não se pode ter um algoritmo uniforme para todo o bioma”, explicou o pesquisador.

Segundo Setzer, o maior impacto sobre o Cerrado está ocorrendo atualmente nas áreas agriculturáveis: “O Cerrado está sendo praticamente removido e transformado em extensas lavouras ou pastagens. E, na maior parte dos casos, isso está sendo feito em desacordo com a legislação ambiental. Na Amazônia, a lei manda deixar 80% da área intacta. No Cerrado, apenas 30%. Mas nem mesmo esses 30% estão sendo respeitados”.

Agência Fapesp

 

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