Quem conhece a história de Grace e Frankie, personagens de Jane Fonda e Lily Tomlin na série da Netflix, também conhece o drama de seus respectivos maridos, Robert e Sol, que decidem pedir o divórcio de suas esposas para casar um com o outro.
Num exemplo clássico da “vida imitando a arte”, entender o porquê deles terem demorado tanto tempo para “sair do armário”, pode ajudar a compreender a atual geração de idosos LGBT.
Assumindo então que Robert e Sol teriam 80 anos hoje, em 1973 eles tinham 44 anos, quando a Associação Americana de Psiquiatria deixou de considerar a homossexualidade como doença. Além disso, aos 50 anos começaram a ouvir sobre a AIDS e aos 60 anos alguns de seus amigos próximos começaram a morrer por essa doença.
Para esses dois, e para muitos de seus contemporâneos LGBT, a invisibilidade foi uma maneira encontrada para fugir da discriminação, e em alguns casos, para sobreviver. Porém, permanecer invisível na terceira idade pode ter consequências danosas em todas as dimensões bio-psico-sociais relacionadas à saúde.
Por um lado, esses indivíduos tem maiores chances de estarem morando sozinhos, de não terem filhos e de não apresentarem alguém para chamar em caso de uma emergência.
Por outro, pessoas que “saem do armário” e falam com seus médicos sobre sua orientação sexual e sua identidade de gênero expõem maiores níveis de satisfação.
Inclusive apresentam um melhor acesso aos serviços de saúde, um melhor controle de suas doenças crônicas e uma maior adesão às orientações de promoção da saúde.
Dados do Canadá mostram que as idosas lésbicas expressam riscos superiores, do que as heterosexuais, de não realizarem exames como a mamografia ou o papanicolaou, além de uma chance elevada de não disporem de um médico de confiança.
Até mesmo a depressão e o suicídio são mais comuns nesse grupo, expressando taxas mais chocantes entre os idosos trans.
Invisibilidade nos serviços de saúde e o medo de ter que “voltar para o armário”
Hospitais, clínicas e postos de saúde são exemplos de locais onde o a população LGBT mais velha deveria se sentir confortável e acolhida. Porém, também sofrem nesses locais com diversas formas de discriminação e com a presunção de que todos são heterosexuais e cisgênero.
Essa situação pode ser até pior em Instituições de Longa Permanência para Idosos (ILPI), onde o respeito à intimidade, aos objetos e às vidas LGBT é uma exceção.
Uma pesquisa de 2010 nos Estados Unidos envolvendo 217 idosos LGBT institucionalizados mostrou que 23% deles já sofreu algum assédio verbal ou físico por parte dos outros residentes e que 14% vivenciou essa mesma experiência, só que praticada pela equipe de saúde.
Por isso, o seu processo de institucionalização é acompanhado por um medo fundamentado de ter que “voltar para o armário”, e quando existe algum local que seja sensível às suas necessidades, esses indivíduos demonstram um profundo contentamento.
Concluindo, a velhice LGBT é marcada por uma dupla invisibilidade e por necessidades de saúde particulares. Pesquisas e discussões futuras, principalmente no Brasil, são necessárias para a criação de ambientes de saúde mais inclusivos e para combater a solidão e o isolamento social dessas pessoas, fazendo com que o seu cuidado geriátrico e gerontológico seja cada vez melhor.
* Milton Roberto FurstCrenitte, CRM 150848
Médico Geriatra
ONG Eternamente SOU – ONG mobilizada pela necessidade da implantação de serviços e projetos voltados a pessoas LGBT60+
Coordenador do projeto “Papo Diversidade”, que pretende sensibilizar cuidadores de idosos sobre temas como a diversidade sexual
Colaborador da Unidade de CardioGeriatria – Incor – HCFMUSP
Professor do curso de Medicina – UNINOVE